O mundo acabando e você aí, falando de viagens?
Spoiler: este texto contém ironia.
As redes sociais criaram um personagem divertidíssimo chamado “ativista digital”. Quando ele surgiu, há alguns anos, era até interessante em sua essência e proposta: víamos pessoas insatisfeitas com a realidade e que encontravam um universo perfeito — a internet — para levantar a bandeira de sua causa.
Hoje, não importa sua carreira ou seu partido político. Todos são ativistas digitais. O importante é ser engajado e, como consequência, ganhar muitas curtidas e compartilhamentos com seus posts brilhantemente politizados e humanistas. Só que não.
Os engajados virtuais estão prontos para desconstruir o tema do dia porque tem sempre um assunto que ele considera mais importante. Existe uma necessidade incrível de inferiorizar um acontecimento em detrimento de outro.
São pessoas que quase sempre tentam constranger o seu posicionamento porque acham que o dela (ou aquele que ela leu na timeline do amigo-cabeça) é mais humano, verdadeiro ou necessário.
Há um esforço colossal em fazer os outros ficarem envergonhados com sua indignação ou opiniões, uma vez que o ativista digital tem sempre algo que ele julga mais digno de pesar ou atenção.
Parece não ser mais possível falar sobre qualquer coisa que não sejam os escândalos de corrupção no Brasil, as decapitações do Estado Islâmico ou a miséria do Sudão.
Caso alguém ouse a se distrair — ou trazer um pouco de leveza e bom humor à sua rotina tentando descobrir qual é a cor do vestido — seres iluminados ficarão horrorizados: “como alguém pode perder tempo discutindo a cor de uma roupa enquanto na África mulheres nem vestidos tem para usar?”. #gentechata
Observe. Se ficamos indignados com a chacina dos cartunistas do Charlie Hebdo, há quem menospreze o problema lembrando que no Brasil morrem muito mais pessoas assassinadas por dia. E aí começa a ladainha:
#JeSuisCharlie #JeNeSuisPaCharlie #JeSuisPalestine #JeSuisAfrique #JeSuisMessi #JeSuisRonaldo #JeSuisTheMinions #JeSuisMatraca #JeSuisUneMerdeIssoSim
Se ficamos indignados com o patrocínio polêmico que o governo ditador da Guiné Equatorial ofereceu à escola de samba Beija-Flor, há quem lembre que o jogo do bicho é mais escandaloso.
Se ficamos indignados com os maus tratos em animais, há quem evoque as crianças de rua abandonadas. Se você ousa solidarizar-se com a tragédia do 11 de setembro há quem diga que o genocídio de Ruanda matou muito mais e ninguém comenta.
Atenção. Isso aqui não é uma disputa de tragédias e desgraceiras. Se é para dar uma opinião, posicione-se, apenas. Levante sua bandeira. Defenda sua causa. Mas você não precisa fazer isso depreciando a comoção ou a indignação ou a curiosidade do outro. Muito menos macular a notícia do dia, mesmo que ela não seja significativa para você.
Há, ainda, quem amaldiçoe qualquer tema ameno e, digamos, mais agradável como se não existisse no seu dia a dia a deliciosa conversa fiada. Caros, a história da humanidade não é feita só de mazelas. E para os que reclamam de notícias supostamente fúteis saiba que jornalismo não é só política e economia.
Nosso cotidiano é movido por ciência, tecnologia, religião, espiritualidade, viagens, moda, beleza, saúde, curiosidades e, principalmente, comportamento.
Fico imaginando o que essa gente pensa de mim — que escrevo, falo e vivo o supérfluo universo das viagens. Supérfluo? Para mim, é indispensável.
Pior, o que essa gente pensa de mim que ganho dinheiro viajando? Muito pior: o que será que passa pela cabeça dessas pessoas quando descobrem que isso é meu trabalho: viajar e escrever? Muito, muuuito pior, quase o apocalipse: que tipo de devaneios eles têm quando percebem que não aceito convites, cortesias, não participo de viagem patrocinada, não faço post pago e, ainda assim, construí um negócio fazendo… turismo?
Por que eu não escolhi cuidar de idosos? Não recolho animais na rua? Não trabalho com refugiados? Não luto pelas causas indígenas? Não saio pelada em passeata feminista? Por que não me inscrevo no Greenpeace? Por que eu cometi o pecado de fazer jornalismo e — sacrilégio — virar blogueira de viagem?
Pois eu que pergunto a estes seres engajados e onipresentes sempre prontos a desconstruir o assunto da hora ou a tarefa do outro com suas verdades absolutas, quais são mesmo seus planos — e ações — para salvar a mundo?
E você, o que está fazendo aí fuçando neste blog frívolo, oco e distante da realidade cruel, ferina e virulenta a que somos submetidos diariamente? Tire a mão do queixo, a outra do mouse e vai arrumar uma roça para carpir, bando de alienados!
(Mas, por favor, antes me diga: o vestido é branco e dourado ou azul e preto?)
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Azul e preto! 😛
Infelizmente o que vocês escreve é verdade em qualquer parte do mundo! Je suis Charlie, mas depois fica tudo escandalizado quando ouve uma piada sobre o seu clube de futebol! e atrás do computador, toda a gente têm coragem para tudo, o problema é na vida real!
Eu só vi o branco e dourado! Rá!
Sensacional, Silvia! ????????????
(Agora, você não tem um tanque cheio de roupas pra lavar, em vez de ficar escrevendo “textões” na net?!? ????????).
Pensa que eu também não tenho meus auto-preconceitos? Tipassim… “ai, eu escrevendo este tremendo desabafo enquanto tenho 50 posts práticos que ainda não saíram do forno!” 😀
Fico muito feliz que tu fazes o que gosta. A vida é feita também de coisas boas, não é só de tristezas. Continua nos fazendo felizes com tantas informações úteis.
Obrigada, Marcia! Quem trabalha no que gosta sempre ajuda, de alguma forma, a melhorar seu entorno!
Tão ruim quanto os ativistas digitais são os tipos idênticos fora da rede. Pessoas que acham egoísmo se sentir alegre, feliz ou leve simplesmente porque o mundo é cheio de mazelas. E da mesma forma que seus alter-egos da internet, essas pessoas não mexem uma palha para mudar a realidade mundial da qual tanto reclamam.
Parabéns pelo texto!
Gabi, concordo com seu raciocínio do começo ao fim. Existe uma depressão coletiva em achar que “eu não posso ser feliz se o outro também não é”. Acredito que deve existir a compaixão, a caridade, mas sobretudo, que as pessoas – mais do que falar -devem agir para mudar o que tanto criticam.
Amei esse texto, inclusive tenho um saco de roupas ali pra lavar mas o dia tem 24 horas tenho tempo pra tudo, até pra discutir a cor do vestido kkkkkkkkkk eu acho que é das duas cores, gente são dois vestidos, pronto acabou…Não posso viver viajando,mas sempre que posso planejo uma fugidinha, faz muuuuuuiiiito bem de vez enquando, não pra muito longe porque preciso equilibrar as contas pra depois não ficar devendo a deus e ao mundo.
Ah, não… se eu tiver um saco de roupa para lavar eu passo a semana falando da cor do vestido só para não ter que enfrentar esse trampo! 😀
Excelente, Sílvia. Os ativistas digitais têm deixado muito sem graça as redes sociais! Parabéns pelo ótimo texto!
Não vamos deixá-los tomar conta. Amigos da Matraca, ativar! 😀
Silvia, você se superou nessa. Chorei de rir aqui. captou o que todo mundo queria dizer, mas não sabia como. #JeSuisUneMerdeISSOSIM KKKKKKKKK 😀
Valeu, querida! #JeSuisFeliz
E eu que aceito convites, cortesias, participo de viagem patrocinada e faço post pago, ai ficam mais indignadas ainda!! kkkk
HAHAHAHAH! Cuidado, vão te mandar pra forca. Ou te queimar em praça pública! 😀
A Petrobrás desmoronando e você aí, falando de viagens, Silvia? hahaha Perfeito o texto, adorei e vou compartilhar! Parabéns!
Hahaha, por aí, Fábio! #gentechata
Ótima e oportuna postagem. Os “politicamente corretos” sao uns chatos.
Acho que os ativistas digitais vão além do “politicamente correto”. Aliás, o politicamente correto, para mim, foi um avanço para a civilização. É importante estabelecer alguns limites. Mas os chatos… sempre serão chatos!
Quando o vestido da posse da Dilma virou assunto do dia baseado em preconceito (comparando a presidente a um botijão de gás, por exemplo), quase não apareceram “ativistas digitais” defendendo a coitada.
O grande problema é o fundamentalismo que envolve estes seres. Ou seja, “se eu não estou ao lado deles, sou contra eles”. Beijos! 😉
O que eu estou fazendo aqui??? Adoro tua insanidade pacífica, deliro com teus posts e gostaria de ter tido uma ideia semelhante á tua na hora de escolher que rumo dar a minha vida! A cor do vestido?? ??? Que vestido????…… estava ocupadíssima planejando minha ida ao Atacama lendo tuas páginas!
Insanidade pacífica! Hahahahaha! 😉
Excelente texto!
Acredito que o problema esteja em não respeitar a opinião alheia.
Cada pessoa tem suas prioridades e modo de viver sua vida.
Se prefiro ler páginas de moda, viagem e culinária em vez de páginas políticas ou policiais, é porque aquelas me fazem mais feliz e pronto! =)
É como diz o outro: quem tem boca fala o que quer e tem que coisa que a gente só escuta porque tem ouvido!kkkk
Abraço,
É isso, Shirley! A intolerância é a bola da vez na internet!
Se a “grande massa de engajados” estivesse tão focada assim em assuntos de interesse global, a cor do vestido não teria dado tanto ibope!
Ótimo texto!
Abraço!
Exato, Juliana! Se perdessem mais tempo atuando do que “falando” fariam mais diferença!
Olá Silvia, passando por aqui p buscar inspiração rsrs ,é normal se desmotivar em viajar? Acho que estou doente, qual remédio p isso meu Deus! Na verdade outras prioridades tem se mostrado mais importantes, tenho duas filhas com idade de 15 e 20 anos, uma estudando fora, e ambas cada vez mais cobrando a realização dos seus sonhos, desejos e vontades, umas justas outras nem tanto kkkk, mas isso me obriga abrir mão de muitos dos meus próprios sonhos, pois não sou rica néah, e como vc mesmo diz tudo é uma questão de priorizar, e eu estou tendo que prioriza-las neste momento! Não é fácil não, ainda assim tenho viajem marcada p esse ano porém me sinto desmotivada, Freud explica?! No mais, ótimo texto, e p mim o vestido é branco e dourado! rsrs abraços
viu como estou maluca, viajem com J é p acabar mesmo, affff me desculpe, “viagem”
Acho muuuito normal a gente, num chegado momento, ter que colocar os freios nas viagens nem que seja por apenas um período. Viagem, por mais econômica que seja, sempre vai custar um bom dinheiro. E, apesar de eu priozorizá-las em absoluto eu quero ter uma apartamento arrumadinho, um carro melhor, quero investir nos meus estudos… Enfim, botar o pé no freio é natural e necessário, eventualmente! Beijos! 😉
Sensacional! Excelente texto, me identifiquei e compartilho da mesma opinião! Parabéns!!
Valeu, Mário! 😉
Hahahaha, Silvia, vc se supera!!!
Compartilhando agora mesmo. Amigos da Matraca, ativar!
Beijos
Ativar!!! 😀 😀 😀
Meu prazo de validade é curto, o mundo e seus problemas sempre estiveram aí e sempre estarão!
kkkkk
Sensacional Silvia!!!! Perfeito!!!
Ola’ Silvia,
deparei com teu artigo casualmente. Concordo com o teu ponto de vista. Uma otima analise do que eu chamo de “destruidor profissional”. Destruir (e criticar) é facil. Construir é que sao elas.
Acabei de abrir o meu blog de viagem e varias pessoas ja’ ficaram “boquiabertas”.
Eu tem outro trabalho, completamente diferente, mas falar sobre viagens sempre foi uma paixao. Agora estou escrevendo sobre viagens. Engatinhando ainda, é claro. Nada parecido com o teu blog que, alias, adorei.
Nao precisa dar ouvidos aos que nada propoe.
Ráá!! rsrs
Adorei! Preciso mandar para uma pessoa, peraí… rsrs
#JeSuisSilviaOliveira.
Excelente! Li duas vezes!
PARABÉNS!!!