Memorial da Resistência de São Paulo: lembrar para não repetir
O Memorial da Resistência de São Paulo é um museu gratuito, imprescindível e vital. O espaço é o único do país a preservar as memórias da resistência e da repressão política durante a ditadura militar brasileira. O local completou 10 anos em 2019, mas ainda é pouco conhecido da maioria dos brasileiros.
O memorial ocupa parte do antigo edifício do Deops – Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de SP. O edifício, ocupado pela polícia de repressão entre os anos de 1940 a 1983, não foi escolhido por acaso para sediar o memorial.
A construção guarda entre suas celas histórias de tortura e terror e, hoje, faz uma homenagem aos homens e mulheres que lutaram ou morreram pela democracia no Brasil.
A proposta museológica abriga documentos e testemunhos que registram e preservam a memória dos sobreviventes, do mortos, torturados e perseguidos durante a ditadura. Com iniciativa do governo de São Paulo, a gestão é feita pela Pinacoteca do estado.
O Golpe de Estado de 1964 – fartamente documentado em livros, filmes, teses e dissertações – foi reconhecido por violar sistematicamente os direitos humanos, implantar a censura, dissolver o congresso nacional e cometer crimes internacionais.
O período ditatorial foi de 01 de abril de 1964 a 15 de março de 1985. O regime só acabou quando José Sarney assumiu a presidência, dando início à chamada Nova República.
O museu é relativamente pequeno, mas os sentimentos que provocam são intensos. Vamos da tristeza à revolta, da perplexidade à resiliência, da indignação ao alívio por saber que isso acabou! Lembrar para resistir, preservar para não repetir!
Logo que você entra, o memorial apresenta a proposta do museu, os diferentes usos do edifício e como foi o funcionamento do Deops durante os anos de autoritarismo. Um pequeno e sufocante corredor atesta a minúscula área para banho de sol.
Na ala que fala do controle, repressão e resistência, equipamentos multimídia contextualizam a repressão no Brasil Republicano.
Uma linha do tempo articula informações, documentos e iconografia, preservando a memória coletiva nacional sobre o período sombrio que marcou a ditadura brasileira.
Não, o sistema não era voltado a “subversivos” que queriam implantar o “comunismo” no país. Bastava qualquer um questionar por que os militares silenciavam adversários políticos, por que não tínhamos eleições livres (foram 25 anos sem voto direto) ou por que músicas eram censuradas para você ser enquadrado como inimigo do “regime”.
A ditadura militar rompeu com a ordem constitucional e ainda que, muito remotamente, existisse mesmo qualquer perigo que justificasse uma junta militar no poder, nada, mas NADA fundamentaria a violência e a repressão policial dos anos de chumbo!
Não estamos falando “só” de cassetete e gás lacrimogênio para reprimir passeatas, mas de mecanismos perversos e condenados em qualquer país civilizado como a tortura de homens, mulheres e até crianças. O livro Infância Roubada – compilado pela Comissão da Verdade de São Paulo – reúne histórias estarrecedoras de crianças presas, torturadas ou exiladas durante a ditadura no Brasil, sobreviventes que hoje têm 50, 60 anos.
Para deixar claro o que foi esse período, o Memorial da Resistência é absolutamente corajoso e reconstitui ambientes como as celas onde ficavam os presos políticos e as salas de tortura.
São atrocidades incansavelmente documentadas por testemunhos (de sobreviventes e funcionários do Deops), além de áudios, fotografias e cartas, deixando de lado qualquer possibilidade de revisionismo histórico.
Em uma das celas máscaras anônimas lembram os milhares de presos, desaparecidos e mortos durante a ditadura em decorrência das ações assassinas e truculentas do Deops/SP.
Eu visitei o Memorial da Resistência com marido e filha. Embora o museu não tenha nenhuma restrição de idade, fiquei em dúvida se o lugar seria apropriado para uma criança com menos de 10 anos.
De fato, fizemos com que a Mariana pulasse a sala de tortura onde, com um fone, podemos escutar uma simulação desesperada de interrogatório e tortura com gritos e pedidos de socorro. Sem contar que a sala contém os fios para choque elétrico e latões de água para afogamento. É absolutamente aterrorizante.
Dá nó na garganta, os olhos enchem de lágrimas, dá vontade de abraçar quem está do seu lado, dá vontade de sair gritando e pedir por tudo o que é mais sagrado que isso não volte nunca mais a acontecer. Meu corpo ficou gelado, meu marido (que teve coragem de escutar alguns áudios de tortura, eu não!) passou mal.
O extermínio, as torturas e as violações sexuais eram sistemáticas. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilegalmente e torturadas. “Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, diz nota recentemente assinada por Procuradores da República.
Na última cela do memorial, um alento. Uma garrafa com um cravo sobre um caixote de madeira. O ambiente oferece uma releitura da solidariedade entre os presos que inventavam diversas formas de resistência para garantir a sobrevivência diária de cada um.
Neste momento, a cela oscila entre o frio da tristeza e o quente da superação. Um equipamento de som reproduz os depoimentos de quem esteve naquele lugar, sobreviveu para contar a história e seguiu lutando pelos ideais de justiça e democracia.
Visita difícil, mas necessária.
SERVIÇO
Memorial da Resistência de São Paulo
Endereço: Largo General Osório, 66 | Santa Ifigênia – São Paulo
Horário: Funciona de quarta a segunda, das 10h às 17h30. Fecha às terças-feiras. Entrada gratuita
Como chegar: O memorial fica perto da Estação Luz de metrô (Linha 1 – Azul e Linha 4 – Amarela). Eu fui da Pinacoteca de São Paulo (que está ali perto) de Uber até o memorial. A região me pareceu insegura para andar a pé, embora a distância entre os dois prédios seja de apenas 500 metros.
Atenção | O Memorial da Resistência fica no prédio da Estação Pinacoteca, chamado de Pina Estação. Não confundir com a Pinacoteca de São Paulo. Ambos (Memorial da Resistência e Pinacoteca de São Paulo ) ficam nos arredores da Estação da Luz, mas são edifícios diferentes.
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Fotos: Sílvia Oliveira | Todos os direitos reservados.
Silvia. Lagrimas rolaram ao ler este texto. Imagino o quão difícil e necessário é a visita ao Museu. Tortura nunca mais! Ditadura Não. Vamos preservar a nossa Democracia. Abraços!
Demorei dias para me recuperar dessa visita! Ditadura nunca mais!
Se só de ler o texto deu nó na garganta, imagine a visita em si nesse lugar sombrio. Obrigado por divulgar Silvia, nao imaginava que o Brasil tivesse um memorial como esse. Abraço! Luiz Henrique
Pois é… é o único museu do país que preserva a memória desse período violento e assassino do Brasil!
Parabéns Silvia! Acompanho vc há anos e nunca me decepciono. Suas dicas são certeiras e vem sempre na hora certa. Obrigada por compartilhar esse museu incrível. Eu moro em São Paulo e confesso envergonhada que já tinha ouvido falar mas nunca visitei. Vou neste fim de semana coma familia toda! Beijao
Obrigada, Marcia! 🙂
Queria ter aqueles icones de palminhas para colocar aqui. 🙂 Parabéns e obrigada por divulgar a historia. Quando estive em Berlim sofri muito visitando os memoriais do nazismo e revisitando a historia do proporio muro da vergonha, o Muro de Berlim! Lembrar para não repetir!
Jandira, eu estive em Berlim há dois anos justamente para fazer uma rota de memoriais sobre o nazismo e Muro de Berlim! Até hoje não consegui escrever sobre isso!
Que “passeio”!
Obrigada por resistir e compartilhar conosco sua experiência, Sílvia!
Beijos e sucesso!!!
Sabrina Mix | Décor, table setting, travel, design & DIY Ideas